Com quatro portas e interior sofisticado, o Del Rey era um carro de luxo para a crise
Esse detalhe charmoso combinava-se à iluminação do painel em tons azuis e alaranjados e a luzes de cortesia de dupla função nas portas, que emitiam luz branca na direção do piso e vermelha de frente (como para outro motorista que visse o Del Rey estacionado com porta aberta ao lado da via). Os interruptores das portas ficavam em posição tal que mantinha a luz interna acesa no caso de porta mal fechada.
Como esperado, não havia qualquer pretensão esportiva: com o mesmo motor 1,6 da linha Corcel e suspensão macia, arrancadas e alto desempenho não eram com ele. Seu rodar, porém, era suave e agradável em viagens tranquilas e o consumo moderado seguia o padrão do modelo que lhe dera origem. A fábrica anunciava aprimoramentos na caixa de câmbio (trambulador e acionamento), na suspensão, na direção e nos freios.
Tudo considerado, o Del Rey aparecia como “carro de luxo da crise”, ideal para os tempos difíceis da economia na década de 1980 e para o alto custo da gasolina na época — razões que concorreriam para a extinção dos grandes sedãs nacionais de motor V8, a própria linha Galaxie e a série Dart da Dodge. Outro objetivo da fábrica era competir com o Diplomata da Chevrolet, apesar das grandes diferenças de porte e cilindrada.
Apesar do pouco espaço no banco traseiro, o Del Rey fez adeptos com acabamento esmerado e itens de conforto inéditos — e ganhava caixa automática em 1983
Para esse fim, no entanto, a Ford parece ter errado ao manter a distância entre eixos original do Corcel II: seu espaço interno não atendia aos antigos compradores de carros grandes. Um engenheiro da marca teria admitido mais tarde que, pela falta de cinco centímetros a mais entre os eixos, o Del Rey havia perdido um mercado carente de automóveis espaçosos. Era o inverso do que teria ocorrido com a modelo brasileira Martha Rocha, que perdeu o título de Miss Universo de 1954 para a norte-americana Miriam Stevenson, segundo versão da imprensa na época (depois negada em sua autobiografia) por ter duas polegadas ou 5 cm a mais nos quadris.
O Del Rey aparecia como carro de luxo ideal para os tempos difíceis na década de 1980 e para o alto custo da gasolina
No primeiro teste pela revista Motor 3, o Del Rey teve boa avaliação: “É apenas um carro seminovo — mas representa um novo conceito mercadológico em nosso país. O Del Rey é um Corcel, sim — mas que Corcel! Os bancos são revestidos com um novo tecido de fio trilobal, de aparência rica e cintilante. O Del Rey deixa Landau, [Alfa Romeo 2300] TI-4 e Diplomata para trás com displicente tranquilidade: tudo o que os outros têm, ele também tem, e mais algumas coisas importantes”.
A restrição ao espaço, porém, já estava clara. “Quando esperávamos seu lançamento tínhamos esperança de ver um carro que trouxesse pelo menos 5 cm, preferivelmente 10 a mais no entre-eixos, ganhando, com isso, espaço para os ocupantes do banco de trás. Mas isso não aconteceu. Para suprir eficientemente sua função de carro executivo de porte médio, alto luxo e grande economia, o Del Rey Ouro tem quase tudo; falta, apenas, mais espaço no banco traseiro”, concluiu a revista.
Meio Corcel, meio picape, a Pampa chegava com capacidade para 600 kg
Na comparação da Quatro Rodas ao Passat LSE, o Del Rey foi superior em economia e nível de ruído, mas perdeu em caixa de câmbio e instrumentos, que na versão básica eram só os essenciais: “Se fosse possível reunir num veículo só as qualidades mais positivas de cada um, faríamos um carro que tivesse a direção e os bancos do LSE, mas os cintos de segurança e o ar-condicionado do Del Rey; a estabilidade do LSE, com uma suspensão capaz de absorver as irregularidades do piso como a do Del Rey; pneus cinta de aço do Del Rey, seu silêncio interno, mas alavanca de câmbio e rádio do LSE”.
Logo depois era lançada sua versão de duas portas, estas as mesmas enormes e pesadas do Corcel II. Modificações na suspensão vinham na linha 1982 do Corcel, que ficava mais firme e estável; no ano seguinte o motor a álcool chegava ao Del Rey. Outra novidade para 1983 era a opção de transmissão automática para o modelo de luxo: uma moderna caixa com controle eletrônico, a primeira do Brasil, embora com apenas três marchas como usual na concorrência (apenas o Dodge Polara havia oferecido, até então, uma de quatro marchas).
Pampa, o utilitário da linha
Seguindo os passos da Fiat, que havia lançado em 1978 uma pequena picape com base no 147 (logo substituída por uma mais longa, derivada da perua Panorama), a Ford apresentava em março de 1982 um utilitário leve que obteria muito sucesso em sua longa carreira. O nome da Pampa, picape derivada do Corcel II, também fazia alusão a um cavalo que tem o corpo todo malhado.
No anúncio do Del Rey, ênfase à qualidade; no da Pampa, à versatilidade
Com o mesmo conforto do carro na cabine, sua caçamba era bem maior que a da concorrente. O estilo mesclava a frente do Corcel II a uma caçamba inspirada na da picape pesada F-100, incluindo a forma das lanternas. Dentro dela havia ripas de madeira para proteção do assoalho, em um tempo em que protetores plásticos ainda não eram usados. Em relação ao sedã, a distância entre eixos crescia de 2,44 para 2,58 metros.
Ao contrário da Fiat, que mantivera a suspensão traseira do 147 (independente McPherson), apenas com reforço nas molas semielípticas transversais, a Ford aplicou ao eixo rígido molas semielípticas longitudinais, mais adequadas ao transporte de cargas que as molas helicoidais do Corcel. Esse arranjo permitia capacidade de carga de 600 kg e garantia robustez, pois a posição vertical das rodas era mantida com qualquer peso transportado (no sistema McPherson as rodas “abrem-se”, assumindo cambagem negativa, à medida que a traseira desce) e não se precisava alinhar tais rodas por toda a vida útil da picape.
A Pampa mostrou boa adequação à proposta no teste da Quatro Rodas: “Alterada na traseira, a suspensão funciona bem em todas as situações. A estabilidade é semelhante à do Corcel II. A suavidade de marcha é maior com plena carga, mas mesmo vazia a Pampa não salta”. O êxito da picape não seria abalado pelo lançamento de outras derivadas pela concorrência, a Volkswagen com a Saveiro no mesmo ano e a Chevrolet com a Chevy 500 em 1983 — única com tração traseira, vantajosa em certas condições, mas limitada em termos de carga útil e volume transportado na caçamba.
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As séries especiais
A linha Corcel recebeu algumas edições limitadas durante sua longa produção, em geral com acessórios adicionais oferecidos por menor preço que nas versões normais.
• Cinco Estrelas: lançada em 1982 para Corcel II e Belina, vinha com rodas esportivas, pintura em dourado metálico (havia opção por três outras cores), relógio digital e conta-giros. Nova série aparecia em 1984 com tom cinza metálico exclusivo, faixas laterais, as mesmas rodas e um bagageiro para a Belina.
• Os Campeões: limitada ao Corcel II, vinha em 1983 na cor preta com faixas douradas, faróis de neblina, as mesmas rodas do Cinco Estrelas, conta-giros, relógio digital e volante de quatro raios.
• Pampa Roadstar: a série de 1985 tinha poucos detalhes diferentes, como faixas laterais, relógio junto ao teto e tecido superior nos bancos.
• Astro: também de 1985, trazia para o Corcel e a Belina L faixas laterais, o relógio digital de sempre, calotas e revestimento de bancos como o do Escort XR3, além de bagageiro na perua. Vinha em prata ou dourado.
Na Venezuela
A Ford vendeu os modelos da linha Corcel em configurações diferentes em outros mercados, como a Venezuela. Foi esse o primeiro país a receber uma perua Del Rey — a Scala —, em setembro de 1982, seis meses antes dos próprios brasileiros. Na linha 1984 eram oferecidos tanto o Corcel quanto o Del Rey, mas com papéis diversos: o primeiro incluía a versão Ghia (denominação que o Brasil só adotaria no ano seguinte), com para-choques diferenciados e o mesmo painel completo de nosso Del Rey Ouro.
Já o Del Rey era vendido em acabamento mais simples, próximo ao do Corcel II daqui: foi a solução encontrada para dispor de quatro portas, das quais praticamente só o Brasil abria mão em carros médios. Quando a frente foi remodelada, em 1985, surgiu um curioso Del Rey híbrido: de frente era igual ao Corcel dos brasileiros, mas o restante da carroceria seguia o de nosso Del Rey.