O rompimento de paradigmas da Alemanha repetiu-se no Brasil — e originou um carro que muitos nunca esquecerão
Texto: Francis Castaings e Fabrício Samahá – Fotos: divulgação e HP do Passat*
Até o fim da década de 1960, a Volkswagen só produzia na Alemanha carros com motor traseiro arrefecido a ar: o Käfer (nosso Fusca), a Kombi, o 1600 ou Typ 3, o 411/412 ou Typ 4, o Karmann Ghia e o jipe 181. A fábrica NSU, recém-absorvida pelo grupo, tinha um projeto para substituir o revolucionário Ro 80, um sedã ousado e aerodinâmico equipado com motor rotativo Wankel, que não havia encontrado êxito de vendas.
A Volkswagen então se apossou do projeto em desenvolvimento da NSU e lançou o VW K 70, em 1969, revertendo toda a tradição mecânica estabelecida em mais de 30 anos. O sedã de quatro portas com linhas retas tinha motor dianteiro com arrefecimento líquido, tração também na frente e suspensão independente nas quatro rodas com molas helicoidais. Era um carro moderno, mas não foi tão bem sucedido quanto esperado. Era preciso encontrar uma alternativa para a modernização técnica que o mercado exigia da Volkswagen.
O K 70 (esquerda), primiero VW com motor “a água”, e o Audi 80 de 1972, sedã que originou o Passat
A solução foi encontrada na Audi, marca renascida em 1965 depois de 25 anos distante do mercado e que também já fazia parte do grupo VW — dentro do qual era considerada a fábrica de ideias. A marca das quatro argolas (símbolo herdado da Auto Union, que por mais de 30 anos manteve associadas as marcas Audi, DKW, Horch e Wanderer) havia lançado em 1972 um sedã médio de duas portas moderno e de bom desempenho, com desenho do renomado italiano Giorgetto Giugiaro: o Audi 80.
O motor do Passat tinha comando de válvulas no cabeçote e ventilador do radiador acionado por motor elétrico, novidade em carros nacionais
A partir dele, Giugiaro modificou a carroceria para adotar o perfil fastback, com traseira inclinada, em vez do formato de três volumes do 80. O resultado do projeto EA-400, designado como Typ (tipo) 32 e pelo código de plataforma B1, era lançado em julho de 1973 nas versões de duas portas, identificada pelos faróis retangulares, e quatro portas, com faróis circulares. Seu nome — Passat — veio de um vento que sopra na Europa. A VW usaria mais tarde outros nomes de ventos como Santana, Scirocco e Bora. E foi esse vento que trouxe novos ares e “águas” para o grupo Volkswagen em todo o mundo.
O Passat deu início a uma série de sucessos com a mesma concepção mecânica. O maior deles sem dúvida foi o Golf, lançado em 1974, mas houve também o esportivo Scirocco e o compacto Polo (1975). Os motores disponíveis para o Passat eram de 1,3 litro com potência de 55 cv e 1,5 com 75 ou 85 cv, que depois passaria a 1,6. A perua Variant de cinco portas chegava em 1975, seguida um ano depois pelo três-portas, que mantinha o perfil da traseira, mas erguia a tampa do porta-malas levando junto o vidro.
Na Alemanha o Passat logo ganhou versão perua, a Variant; para 1978 vinha uma nova frente (direita)
A frente era redesenhada em setembro de 1977, ganhando para-choques de plástico e a opção de faróis retangulares com luzes de direção nos cantos. Uma versão a diesel de 1,5 litro e 50 cv vinha no ano seguinte e, em 1979, aparecia o motor 1,6 com injeção eletrônica e 110 cv, o mesmo do Golf GTI. A primeira geração permaneceu até novembro de 1980, quando surgiu uma carroceria mais moderna nas versões de três e cinco portas, ambas hatchback. No fim de 1981 vinha o sedã Santana (o Audi 80 já usava desenho diferente, o que permitiu à VW adotar esse formato) e a nova Variant, que para o Brasil seria Quantum.
Novas gerações em 1988, 1996, 2004 e 2014, além de reestilizações dentro desses períodos, mantiveram o Passat alemão atualizado e competitivo (leia sua história internacional até 2012). No Brasil, porém, o modelo inicial teria produção bem mais longeva que o europeu.
Revolução no Brasil
Ao ser lançado por aqui, em julho de 1974, o Passat era o mais moderno carro nacional. Disponível com duas portas e dois tipos de acabamento — L e LS, este mais luxuoso —, tinha carroceria atual e atraente, com as linhas retas que predominavam nos anos 70. Embora fosse apenas 12 centímetros mais longo que o Fusca, oferecia espaço interno muito superior. Seu painel era simples e funcional, com dois grandes mostradores; o volante tinha dois raios.
O primeiro Passat nacional: versões L e LS, duas portas, motor de 1,5 litro e 65 cv
Entre as diferenças da versão LS para a L estavam bancos revestidos em tecido em vez de plástico, retrovisor interno com posições dia e noite, relógio, lavador elétrico para o para-brisa e rádio, montado diante do passageiro: na área central ficavam os comandos de ventilação. Os cintos de segurança dianteiros já eram de três pontos, mas não havia encostos de cabeça. Os bancos dianteiros com assento mais baixo que o usual, feitos para alemães de 1,90 metro, em pouco tempo foram levantados pela fábrica para ficarem adequados à estatura média dos brasileiros. No mesmo ano, em dezembro, a VW acrescentava a versão LM entre as já existentes, a fim de contornar dificuldades de produção de itens específicos do LS.
O motor dianteiro longitudinal de quatro cilindros inclinados em linha (e não horizontais opostos, como nos outros carros da marca) tinha comando de válvulas no cabeçote (não mais no bloco) acionado por correia dentada — sistema inaugurado por aqui um ano antes com o Chevrolet Chevette — e era arrefecido a líquido com circuito selado. O radiador vinha à esquerda do motor, e não à sua frente, o que exigia ventilador acionado por motor elétrico, outra novidade em carros nacionais. Inovação em segurança era o fecho duplo do capô, que seria abandonado na primeira reestilização em 1979.
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As séries limitadas
Em um cenário de poucos lançamentos, como o da indústria brasileira no mercado fechado às importações da década de 1980, edições especiais eram um expediente comum para ganhar espaço na mídia e atrair atenções do público, em geral por uma atraente combinação de equipamentos e motor a um preço convidativo. Estas foram as que a Volkswagen criou para o Passat.
• 4M: a proposta de visual esportivo por menor preço começou com esta edição, que comemorava em 1978 a produção de quatro milhões de veículos pela VW no Brasil. A cor cinza grafite metálica era exclusiva e a única oferecida. Limitado a 1.000 unidades, era um três-portas com os quatro faróis do TS com lâmpadas amarelas, rodas na cor da carroceria, parte da tampa traseira em preto, bancos de tecido bege e tapetes marrons, além de rádio. O logotipo 4M vinha na grade e na terceira porta.
• LS Série Especial: sem um nome mais criativo, surgia na linha 1982 em cores verde e cinza (ambas metálicas) com para-choques no mesmo tom, calotas e rádio/toca-fitas para marcar a adoção do motor de 1,6 litro também pelo LS. Foram 1.200 exemplares.
• Sport: a “série personalizada”, como a VW a apresentou, saiu junto à linha 1984 com rodas de alumínio, teto solar, volante de quatro raios do GTS, bancos dianteiros Recaro e conta-giros. O motor era o mesmo 1,6 de toda a linha da época. Também ficou restrita a 1.200 carros.
• Plus: lançada em novembro de 1984, trazia o motor 1,8 do Pointer por preço menor, calotas do Santana CS, para-choques na cor do carro (azul ou prata), faixas laterais e para-brisa com faixa degradê. Como na versão Special, a moldura dos faróis vinha em preto. Teto solar era opcional.
• Carro do Mês: também de 1984, era uma estratégia da VW para “desovar” equipamentos, aplicando-os a uma versão simples. Era basicamente um Special com pintura metálica e rodas de alumínio. A marca repetiria a dose no ano seguinte com o Voyage e em 1986 com o Santana do Mês.
• Flash: a última das especiais vinha em 1987, mais uma vez combinando o motor 1,8 a um custo mais baixo. As calotas eram as mesmas do Plus e havia filetes nas laterais, mas associados ao visual que o Passat adotara em 1985. Oferecido em branco, prata e vermelho.
* Nossos agradecimentos a André Grigorevski, da HP do Passat, pelo envio de informações, fotos e reproduções de catálogos sem os quais este artigo não teria o mesmo colorido
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