Com nova frente e poucas outras mudanças, hatch médio acusa o peso da idade sem compensar no preço
Texto: Fabrício Samahá e Edison Ragassi – Fotos: divulgação
No atual mercado brasileiro de hatches médios há duas estratégias de competição. Uma, manter o produto em sintonia com o que se faz na Europa, ao menos em termos de desenho e plataforma, como têm feito Ford com o Focus, Volkswagen com o Golf e Hyundai com o i30 — e parece o caminho provável da Chevrolet com o Cruze quando o hatch lá de fora se equiparar ao novo sedã. A outra estratégia é fechar os olhos para o que se faz nos mercados desenvolvidos e tentar prolongar o ciclo de produção de um antigo projeto mediante reestilizações, como têm feito a Fiat com o Bravo e, agora, a Peugeot com o 308.
Lançado na Europa em 2007, o 308 levou cinco anos para chegar ao Brasil, tempo suficiente para passar por uma reestilização frontal. Esses oito anos de lá para cá explicam por que ele, apesar de seus atributos, parece mais defasado do que se espera de um modelo que recebemos em 2012. Como fabricar na Argentina (de onde é trazido) a geração francesa de 2013 não está nos planos da PSA Peugeot Citroën, o jeito foi buscar um rejuvenescimento para o velho 308.
A reforma foi tímida a ponto de preservar até capô e para-lamas dianteiros: só as peças de seus limites para frente foram alteradas, o que conteve custos. Dentro do padrão de estilo adotado nos mais recentes Peugeots europeus, o 308 ganhou uma ampla grade acima da placa (antes, quase toda a admissão de ar ficava abaixo dela), novos faróis e para-choque, que mantém as luzes de leds para sinalização diurna. A traseira mostra apenas lanternas refeitas com leds, sem alterar seu contorno. Alguém na Peugeot deve adorar aquelas falsas saídas de escapamento, pois continuam lá.
Para-choque dianteiro, faróis, grade, leds nas lanternas: uma plástica para disfarçar os anos
Qualquer dono de 308 se sentirá em casa no modelo 2016, pois dentro dele quase tudo é o mesmo de antes. À parte detalhes nos mostradores do painel, no volante e mudança na densidade de espuma dos bancos, a única novidade é a troca da tela elevada dos sistemas de áudio e navegação (com comando por botão giratório, nada prático) por uma mais baixa, acionada por toques, no local do antigo aparelho de áudio. Lá em cima restou um porta-objetos. Embora inserir um endereço esteja mais fácil agora, seguir o mapa era melhor antes, com a tela próxima do campo visual.
O motor da versão de entrada surpreendeu, com boa “pegada” desde baixas rotações, e a suspensão já não proporciona solavancos
O sistema, em si, evoluiu. Pela tela de sete polegadas pode-se agora controlar um telefone celular conectado pelas tecnologias Mirror Link e Apple Car Play, assim como armazenar músicas em um disco rígido interno de 16 GB e visualizar imagens de trás do carro pela inédita câmera de manobras — que vem apenas na versão Griffe THP, assim como navegador.
Na parte mecânica, o 308 de topo ganha motor flexível em combustível, com a unidade THP Flex turboalimentada já conhecida do 2008 e do Citroën C4 Lounge. Embora a taxa de compressão seja mais baixa que na antiga versão a gasolina (caiu de 10,5:1 para 10,2:1), a potência subiu de 165 para 166 cv com gasolina e chega a 173 cv com álcool. O ótimo torque caiu um pouco, de 24,5 para 24 m.kgf às mesmas 1.400 rpm (com 16 m.kgf já a 1.000 rpm, com a turbina a pleno, claro). Não foram alterados os motores aspirados de 1,6 litro (115/122 cv e 15,5/16,4 m.kgf) e 2,0 litros (143/151 cv e 20/22 m.kgf, sempre na ordem gasolina/álcool).
No interior, novos mostradores, tela tátil mais baixa, disco para músicas e integração ao celular
A caixa automática de seis marchas que vem com o motor 2,0 e o THP passa a trazer o programa de uso Eco, que efetua as mudanças em rotação mais baixa para menor consumo, e teve as relações revistas para ficar até 11% mais longa. Como no C4 Lounge, agora o câmbio traciona menos na condição de marcha-lenta, o que reduz vibrações e consumo, e o bloqueio do conversor de torque atua mais com o mesmo objetivo (quanto mais deslizamento de conversor, mais se gasta combustível). O câmbio manual de cinco marchas do motor 1,6 aspirado não muda. De resto, articulações de suspensão e calibração dos amortecedores foram alteradas para melhor absorção de irregularidades do piso, repetindo um processo aplicado há dois anos no modelo.
Ao volante
Na avaliação pela imprensa o 308 confirmou o que se esperava: um velho conhecido. Não foi possível dirigir a versão THP, que tinha maiores novidades (fica para a avaliação completa), mas com o Allure de 1,6 litro e câmbio manual rodamos 80 quilômetros entre Guarulhos e São Bernardo do Campo (SP). O interior, apesar do aspecto antigo, permanece agradável, com bancos de boa anatomia e painel de instrumentos com fácil visualização — que mudou de forma quase imperceptível. A tela do sistema multimídia privilegia mais a visão do passageiro que do motorista: se o posicionamento fosse mais para cima, como no 208, ficaria melhor.
O motor da versão de entrada surpreendeu, com boa “pegada” desde baixas rotações e desempenho suficiente para a maioria dos motoristas. Na rodovia Ayrton Senna o 308 andou com muita desenvoltura, permitindo acelerações e retomadas convincentes. Em condições urbanas o ajuste da suspensão está bem acertado — já não proporciona solavancos ao passar por valetas e lombadas, mesmo com os pneus de perfil baixo empregados.
Agora flexível, motor THP chega a 173 cv com álcool; câmbio e suspensão foram revistos
Embora tenha eliminado a versão de entrada Active (que custava R$ 66 mil), deixando o carro mais caro em sua primeira opção, a Peugeot caprichou nos equipamentos de série. Entretanto, para um modelo envelhecido, o 308 deveria custar menos. O Allure 1,6 sai pelos mesmos R$ 70 mil do Ford Focus SE 1,6 (ambos com caixa manual), que vem com controle eletrônico de estabilidade e monitor de pressão dos pneus, embora deva ao Peugeot as bolsas infláveis laterais e de cortina e algumas conveniências (teto panorâmico, ar-condicionado automático de duas zonas, sistema multimídia). O Griffe THP, por R$ 83 mil, supera os R$ 80.900 do Focus SE Plus 2,0 automatizado (175/178 cv) e leva sobre ele poucas vantagens em conteúdo — cortinas infláveis, o teto, câmera traseira.
Bom de dirigir, o 308 sempre foi e assim continua. Mas quando se escolhe o segundo caminho do começo do texto é preciso oferecer relação custo-benefício atraente, tarefa na qual a Peugeot não parece ter sido bem sucedida.
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