O consumidor precisa saber o custo por quilômetro dos elétricos, mas a indústria não tem informações suficientes
Já há algum tempo, venho questionando a forma como o departamento de marketing das empresas de automóveis apresenta os dados técnicos dos carros elétricos. No fundo, eles não querem dizer nada, pois só se colocam autonomia e capacidade de carga das baterias. Mais raramente, colocam-se tipo e peso, mas não volume. Em tudo, dificultando a comparação com os carros a combustão.
Se pegarmos uma “banheira” dos anos 1950, encontramos tanques enormes com mais de 80 litros que, a um consumo combinado cidade/estrada de 5 km/l, daria uma autonomia de 400 quilômetros. Só que capacidade do tanque e autonomia não querem dizer nada acerca da eficiência do carro que, nesse exemplo, é muito ruim. Da mesma forma, dizer que um veículo elétrico tem bateria de 45 kWh de capacidade e autonomia de 200 km também não reflete a eficiência atingida, mesmo porque os mesmos dados são apresentados para carros urbanos, utilitários esporte e superesportivos.
Para recarregar as baterias do Porsche Taycan por 5 minutos, para autonomia de 100 km, o supercarregador precisaria consumir mais de 600 Ah
Naturalmente, essa falta de informação impede que o comprador faça contas e deduza quantos quilômetros deverá rodar até que a diferença de preço seja amortizada pela pretensa economia de energia. Será que não seria o caso de estabelecer uma norma comparativa que permita avaliar consumos de eletricidade e combustível, além do cálculo econômico à luz dos preços das duas fontes de energia? Esta coluna não pretende resolver essa questão, mas pôr à luz duvidas que devem estar assaltando muita gente, entre possíveis consumidores ou meros amantes dos automóveis e da tecnologia que os envolve.
Para todos os fins, usa-se o padrão de equivalência energética de 12 kW/l para hidrocarbonetos e 9 kW/l para álcool. O Porsche Taycan Turbo, por exemplo, apresenta uma capacidade de 93,4 kWh de armazenamento e roda supostos 450 km, o que daria 5 km/kWh. Usando o padrão acima, equivaleria a 60 km/l de gasolina ou 45 km/l de álcool, o que parece muito bom. Aí podemos alimentar a polêmica do custo por quilômetro rodado, visto que precisamos precificar (ou apreçar) gasolina e eletricidade para medir a economia de energia em unidades monetárias.
É justamente nesse ponto em que esbarramos em outro obstáculo. Tomando o exemplo do mesmo Porsche, que usa um sistema de 800 volts — que medo! — para obter autonomia de 100 km com recarga de 5 minutos, teríamos, a 5 kWh por km, algo como 20 kWh. O supercarregador precisaria consumir, a 380 volts (o máximo de baixa tensão de rede urbana), 623 Ah. Ora, se alguém se vai dispor a fornecer essa abundância de energia de pico, terá de fazer um investimento e não poderá vender eletricidade ao preço que compra da distribuidora. Assim, é de se esperar que ela ponha uma margem — digamos — de 100% de cima para baixo, dobrando o valor do kWh oferecido.
Seria justo então usar um padrão de 30 km/l para o mesmo Porsche? Penso que não, pois até agora não tivemos acesso aos números em real. Ademais, o proprietário pode nunca usar essa recarga rápida, optando por gastar 22 h para atingir 80% da carga. Nesse caso, teríamos uma potência armazenada de 73,6 kWh em 22 h, ou 3,4 kWh/h, ou ainda, a 220 v, 15,5 Ah. Daria para uma instalação doméstica-padrão de São Paulo, que é de 12 kW, desde que ninguém resolva tomar banho ou lavar a louça ao mesmo tempo, mas não é nada assustador. Nesse caso, a energia custaria muito próximo do que pagamos pela eletricidade de nossas residências.
Não estaria errado argumentar que essa variação de preço também existe para os combustíveis entre estados e entre cidade e estrada. Não é à toa que definir o custo/km é polêmico. Aqui discutimos a expectativa (ex-ante), não a apuração (ex-post), posto que o carro não está à disposição e não tem histórico.
Há ainda mais um complicador: os subsídios que os governos tendem a dar por uma pretensa energia limpa, o que mascara o custo. Lembremos que custo é o esforço para produzir, enquanto gasto é o ato de pagar. Quando se subsidia, não se reduz o custo, só se divide o gasto entre quem usa o bem e o restante da sociedade, supondo-se que todos se beneficiem, o que é bastante discutível. Mas esqueçamos um pouco esse tipo de distorção e passemos a um exercício numérico com um carro fictício, que use uma bateria de 20 kWh e tenha autonomia de 300 km.
Um carro elétrico fictício gasta apenas R$ 0,06 por km rodado, ante R$ 0,37 de um automóvel a gasolina da mesma categoria: dá para ficar animado
Imaginemos agora que o kW custe R$ 0,90 e que a gasolina saia por R$ 4,50 o litro. Nosso carro elétrico fictício tem um consumo de 15 km/kW ou R$ 0,06/km. Dá até para ficar animado. Comparando com um automóvel a gasolina da mesma categoria, fazendo 12 km/l, teremos um dispêndio de R$ 0,37/km — seis vezes mais que o concorrente. A diferença por quilômetro rodado será de R$ 0,31.
O problema não termina aí. A favor do carro elétrico há a manutenção que, teoricamente, seria muito mais barata, visto não haver necessidade de troca de óleo e filtros. Contra, temos o número de ciclos da bateria e a elevada parcela do valor do carro que ela representa. O número de ciclos só pode ser estimado, pois pode ser contado em recargas completas a partir da carga mínima, assim como se pode contar todas as vezes em que se passa do estado de descarga para o de carga (ou seja, todas as vezes em que a direção da corrente se alterna). Assim, esse fato precisa ser abrangido pela norma.
Resumindo, a norma precisa considerar, minimamente, o consumo de energia em kWh por km e o desgaste das baterias em ciclos por km, sendo este o número mais carente de normatização prévia, muito embora a autonomia já conte com padrões norte-americano e europeu.
Fico imaginando quantas reuniões secretas se fizeram entre engenheiros e marqueteiros acerca de como se deveriam descrever, tecnicamente, os automóveis elétricos. Seria necessário fazer com que o consumidor em potencial se sentisse informado, ao mesmo tempo em que a indústria, por não haver histórico, não tem informações suficientes a dar. Ao mesmo tempo, as próprias associações de normas técnicas não se veem aparelhadas para estabelecer um meio de comparação que permita uma transição coerente e transparente entre as tecnologias. Não creio que se passarão menos de 10 anos antes de que possamos dizer, com certeza, qual dos dois métodos de propulsão tem menor custo relativo. Quem viver verá.
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