O primeiro médio de Betim
Antes mesmo que o Tempra fosse lançado no mercado europeu, já corria por aqui a notícia de que ele seria o primeiro modelo médio da Fiat brasileira. A marca de Betim, MG, não fabricava um modelo superior à linha Uno desde 1986, quando o Alfa Romeo 2300 saiu de produção. Diante do êxito do Chevrolet Monza e do Volkswagen Santana na segunda metade dos anos 80, um sedã espaçoso e potente preencheria uma importante lacuna de mercado para o fabricante ítalo-mineiro.
O Tempra brasileiro estreava em novembro de 1991, ostentando linhas bem mais modernas que as dos concorrentes, mesmo estes tendo sido reestilizados pouco antes. Competia também com o Versailles da Ford, uma variação do Santana. As duas versões de acabamento — a mais luxuosa Ouro e a básica, a que o mercado convencionaria chamar de Prata — vinham com quatro portas e motor de 2,0 litros. Era um carro nacional 100% inédito, o que há muito o mercado não via: modelos como Uno e Chevrolet Kadett haviam aproveitado conjuntos mecânicos dos conhecidos 147 e Monza, na ordem.
O estilo era seu destaque. Detalhes como as portas avançando sobre o teto, capô que ocultava em parte os limpadores de para-brisa e vidros rentes à carroceria contribuíam para a aerodinâmica, embora o Cx do modelo nacional (0,32) fosse pior que o do italiano pela maior altura de rodagem. Ele exibia desenho próprio também nos retrovisores e no alojamento da placa traseira. Além disso, o brasileiro não tinha repetidores laterais das luzes de direção nos para-lamas, limpador do vidro traseiro ou opção de painel digital.
Por dentro, a melhor impressão ficava para o ótimo espaço, que propiciava um conforto raro no segmento. A posição de dirigir elevada era típica dos Fiats, agora com regulagem de altura do volante de quatro raios e do apoio lombar do encosto. Apliques imitando madeira (versão Ouro), controle elétrico dos retrovisores, travamento central das portas por interruptor no painel (que se desarmava se uma delas estivesse mal fechada) e rádio/toca-fitas de fábrica eram novidades na marca. O porta-malas tinha capacidade de 552 litros, segundo a Fiat.
O Tempra brasileiro herdava do Regata o motor de 2,0 litros, com recursos como câmaras de combustão hemisféricas e duplo comando de válvulas
Havia recursos interessantes, como o sistema de renovação de ar do habitáculo que o extraía atrás do para-choque traseiro — razão para a saída de escapamento voltada para a esquerda — e os limpadores de para-brisa, nos quais apenas a borracha das palhetas era substituída. Para absorver ruídos, dentro das colunas dianteiras e traseiras vinha uma massa de poliuretano expandido, solução inédita no Brasil. A versão Ouro trazia iluminação na chave e no para-sol do passageiro, retrovisor interno fotocrômico e apoios de braço para o motorista e no centro do banco traseiro. No porta-luvas vinha uma lanterna a ser conectada ao acendedor de cigarros.
Apesar de muito parecido ao italiano em desenho, o Tempra nacional era bem diferente do ponto de vista técnico. Talvez por problemas de resistência da suspensão original, talvez pelo fator custo, o nosso combinava a arquitetura básica do Regata feito na Argentina, com estrutura reforçada, a novas suspensões, sendo a traseira pelo mesmo conceito McPherson da dianteira. Pneus mais altos (185/65 ou 195/60 em vez de 175/65 e 185/60, sempre com rodas de 14 pol) contribuíam para maior altura livre do solo.
Ele era também nosso primeiro Fiat com raio de rolagem negativo e duplo circuito de freios em diagonal, que só chegariam aos modelos menores com o Palio em 1996. Uma desvantagem diante do europeu era que o banco traseiro não podia ser rebatido. A exemplo da Ford, que fizera aqui seu Verona (sedã do Escort) sem esse recurso presente no Orion alemão, a Fiat deixava passar a oportunidade de introduzir essa grande conveniência num sedã nacional, primazia que coube ao Chevrolet Omega um ano depois.
O Tempra mineiro também herdava do Regata o motor argentino de 2,0 litros. Apesar da concepção datada dos anos 70, ele apresentava características atuais como câmaras de combustão hemisféricas, cabeçote de fluxo cruzado, distribuidor acoplado ao cabeçote sem engrenagens e duplo comando de válvulas, que só havia existido no Brasil na linha FNM 2000/2150 e no Alfa Romeo 2300.
Uma decisão da Fiat difícil de compreender foi manter o obsoleto carburador, em uma época em que toda a concorrência já oferecia injeção multiponto nas versões de topo e o Monza recebia a monoponto em toda a linha. Como agravante, pouco depois do lançamento (janeiro de 1992) o catalisador tornava-se necessário para atender às normas de emissões da fase 2 do Proconve (Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores).
Com isso, o desempenho ficou abaixo das expectativas — o Tempra acelerava de 0 a 100 km/h em 12,3 segundos, de acordo com a fábrica, marca modesta para o segmento. Com potência de 99 cv e torque de 16,4 m.kgf, o motor não era exatamente fraco: os problemas estavam no peso elevado do automóvel (mais de 1.250 kg) e na relação r/l desfavorável (0,31), que causava aspereza de funcionamento. Nos modelos italianos o problema era resolvido com duas árvores de balanceamento, que a fábrica não empregou aqui.
De resto, a Fiat havia optado por uma transmissão longa, adequada a viagens nas velocidades praticadas à época nas rodovias, como 120 km/h, mas desfavorável à agilidade de respostas e arrancadas em ladeiras íngremes. Esse aspecto foi contornado poucos meses depois com uma relação de diferencial 5% mais curta, que podia ser aplicada aos modelos já vendidos se o proprietário desejasse.
A transmissão do Tempra, por outro lado, representava notável evolução sobre os Fiats de então, com engates suaves e precisos e menor ruído em ponto-morto. A nova disposição interna das engrenagens acabava com o ruído ao engatar a primeira com o carro em movimento, que acompanhava a marca desde o primeiro 147. Assim como o motor, a caixa era trazida da Argentina, o que explicava em parte o baixo índice de nacionalização de 35% na fase de lançamento.
Próxima parteOs “primos” do Tempra
Como acontecia com vários grupos detentores de diversas marcas, a Fiat passou a desenvolver, na década de 1980, projetos que pudessem originar modelos com estilos e emblemas diferentes, aproveitando plataformas e mecânicas para reduzir custos.
A estratégia começou em 1985 com o Fiat Croma, de cujo projeto nasceram o Lancia Thema, o Alfa Romeo 164 e o Saab 9000 — a marca sueca, não vinculada ao grupo italiano, atuou como parceira. Na sequência a Fiat projetou o Tipo e o Tempra com vistas a compartilhar componentes com outros modelos do grupo.
O Lancia Dedra estreava em abril de 1989, antes mesmo do Tempra. Era um sedã discreto com motores de 1,6 a 2,0 litros e um turbodiesel, os mesmos dos Fiats. Em 1990 chegava a versão esportiva com turbo e oferta de tração integral; em 1994 vinham a perua e outros motores. A plataforma foi aplicada também à segunda geração do hatch Delta, em 1993. A versão mais picante tinha motor turbo de 2,0 litros, 16 válvulas e 186 cv e chegava a 220 km/h.
Também do Tempra saiu o Alfa Romeo 155, em 1992. Embora sem nenhum painel metálico em comum, ele lembrava bastante o Fiat pelas linhas retas e angulosas. Seus motores eram próprios da Alfa, de 1,6, 1,75, 1,8 e 2,0 litros, além do V6 de 2,5 litros (190 cv) e versões a diesel. Com o 2,0 ele veio ao Brasil. Também ofereceu tração integral. Foi bem-sucedido no DTM, o Campeonato Alemão de Carros de Turismo.