Ao andar no “vácuo” de outro carro, devido à falta de atrito com o ar, meu carro desenvolve mais potência? Eu consigo calcular a potência produzida nessas condições? Ou a potência é a mesma, entretanto passa a impressão de andar mais devido a falta de atrito?
Matheus Penha – Curitiba, PR
Não, um carro não fica mais potente se estiver atrás de outro, no “vácuo” (a famosa expressão do meio das corridas). O que acontece é que o carro que segue à frente já “quebra” parte do atrito do ar causado quando se está em alta velocidade, formando um ponto de baixa pressão atrás dele, o que ajuda a reduzir a potência necessária ao carro de trás para manter aquela velocidade. Esse efeito é tão significativo que tal manobra é banida nas corridas de bicicleta nos triátlons. O dizer popular é que, se alguém pedala colado à bicicleta à frente a velocidades de 30 a 40 km/h, consegue manter a mesma velocidade com 30% a menos de potência (neste caso, entenda-se literalmente pulmões e coração).
Digamos que para manter 180 km/h seu carro precise de 100 cv. No gráfico a seguir, que publicamos no artigo técnico sobre emissões, vemos a potência necessária em função da velocidade para um carro pequeno típico.
Se você está a 180 km/h e, de repente, vê outro carro à mesma velocidade e decide entrar em seu “vácuo”, com certeza não precisará mais dos 100 cv e sim de menor potência para segui-lo. Digamos que você estivesse na velocidade máxima de seu carro, que tem exatamente 100 cv. Na nova situação você usa — por exemplo — 70 cv em vez de 100 cv e, portanto, já não está na velocidade máxima. Se o carro à frente aumentar a velocidade, você também poderá aumentá-la, pois tem mais 30 cv disponíveis. Talvez ele chegasse a 200 km/h e você pudesse segui-lo no vácuo, mas, a partir do momento em que saísse daquele espaço, seu carro voltaria aos 180 km/h devido ao maior arrasto aerodinâmico.
Quanto a calcular, desculpe decepcioná-lo, mas não posso. Para simular o arrasto e as forças aerodinâmicas de um carro completo, com os computadores superpotentes dos fabricantes, leva-se uma semana. O engenheiro que cuida disso dispõe de um computador específico, no qual insere o estudo desejado na segunda-feira e, se tudo der certo, na sexta ele terá o resultado. Se colocar um dado errado lá (pense que ele tem de colocar todas as peças do carro e os dados corretos da característica do ar), ele perde uma semana.
Certa vez pedi a um engenheiro que fazia essas simulações para rodar um carro atrás do outro. Negativo: além de usar recursos da empresa sem necessidade, isso levaria pelo menos um mês para rodar devido à interação matemática entre os dois carros. Em geral, dificilmente se faz um modelo completo do veículo: costuma-se simular por seção, como apenas a parte do motor, ou usam-se modelos simplificados que já dão resultados bem próximos ao real. O próprio formato dos carros envolvidos influencia: por exemplo, um Fiat Doblò cria muito mais “vácuo” atrás dele, devido ao corte reto e vertical da traseira e ao volume da carroceria, que um Honda Civic.
Esquema da Nascar mostra o fluxo de ar “limpo” à frente dos carros vermelho e verde, o aproveitamento do vácuo (draft) pelo amarelo e o azul e a turbulência ao fim das carrocerias do azul e do verde
Poderia ser feito o teste prático em túnel de vento, mas há poucos no mundo (não chegam a 10) e o custo seria de pelo menos US$ 50.000 por dia. Categorias de corridas de carros que giram muito dinheiro fazem esses estudos, pois se sabe como o carro da frente é, além de ser muito importante saber se, por exemplo, um Fórmula 1 que passa de 300 km/h não enfrentará um turbilhamento de ar no vácuo que o faria literalmente voar. Aliás, o vácuo é um dos motivos pelos quais a Fórmula 1 de hoje é bem menos emocionante que em outros tempos: como se usam aerofólios para aumentar a capacidade de fazer curva (sustentação negativa), o carro que está atrás não consegue acompanhar o da frente nas curvas. Já em provas de carros de turismo (como a Stock Cars), veem-se os carros um colado ao outro, pois não dependem tanto de aerofólios para fazerem curvas rápido.
Não se deve esquecer que andar no vácuo diminui muito a vazão de ar que passa pelo radiador, fazendo que a temperatura do motor suba de forma acentuada. Afinal, gera-se grande quantidade de potência sem poder trocar o calor. Tive acesso a um teste de andar junto ao carro da frente a 120 km/h: em um minuto, a temperatura do motor já havia subido 7°C. Ou seja, manter-se a 180 ou 200 km/h no vácuo de outro carro por mais de dois ou três minutos pode superaquecer seu motor.
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